O nascimento do bebê marca o início de uma fase de muita alegria, mas também de adaptação da família como um todo, especialmente da mulher ao papel de mãe. Esse período de transição é chamado de puerpério, uma palavra que abrange uma série de mudanças físicas e, sobretudo, emocionais.
O que é puerpério?
O puerpério é o período que se inicia logo após o parto e se estende até que o organismo da mulher retorne, de forma gradual, ao seu estado pré-gestacional.
Durante essa fase, o corpo trabalha para restaurar a homeostase, o que inclui a involução uterina, a recuperação do sistema cardiovascular e metabólico, e a normalização dos níveis hormonais.
Quanto tempo dura o puerpério?
Do ponto de vista médico, o puerpério é o período de 6 semanas após o parto – tempo médio que o corpo e seus órgãos internos levam para voltar ao estado pré-gravidez (com exceção das mamas, que só voltarão ao estado prévio após encerrado o período de amamentação, quando for o caso).
Sob o olhar da psicologia, porém, o puerpério não tem uma data definida para terminar, pois a adaptação completa ao novo papel materno varia de mulher para mulher. Algumas mudanças, especialmente as emocionais e psicológicas, podem levar meses para se consolidar.
Quais são as fases do puerpério?
Puerpério imediato (ou agudo): corresponde às primeiras 24 a 48 horas após o parto, quando ocorrem as primeiras mudanças fisiológicas importantes, como a contração do útero e a estabilização dos níveis hormonais.
Puerpério tardio: estende-se desde o término do puerpério imediato até cerca de seis semanas ou mais após o parto. Nessa fase, a mulher passa por uma reestruturação gradual de seus sistemas orgânicos e uma adaptação ao novo papel materno, envolvendo mudanças psicológicas e emocionais significativas.
Puerpério emocional: quais os principais desafios e como lidar?
Para entender as principais situações que a nova mãe viverá durante esse processo, conversamos com a Psicóloga Geni Concuruto Reche, especialista em Psicologia da Perinatalidade. Ela destacou os principais desafios:
1. Choque entre idealização e realidade
Durante a gestação, muitas mulheres constroem uma imagem idealizada do parto e do início da maternidade. No puerpério, ao se depararem com uma experiência que foge do “momento mágico” esperado, surge um sentimento de decepção e luto, contribuindo para a confusão emocional.
2. Privação de sono e exaustão
A mudança de rotina e a privação de sono são apontadas como fatores que intensificam a irritabilidade, a sensibilidade e a sensação de sobrecarga emocional, acentuando a dificuldade de lidar com outras demandas emocionais do momento.
“Algumas mães terão mais facilidade de se adaptar, outras menos, mas não existe regra. Mesmo para as mulheres que estão acostumadas a dormir pouco, a privação dessa vez estará associada à responsabilidade de cuidar de outro ser – o que pode aumentar o sofrimento e a sensação de inadequação”, explica Geni.
3. Sentimentos ambivalentes e culpa
Muitas mães enfrentam a ambivalência: o amor pelo bebê coexistindo com sentimentos de frustração, raiva e, por vezes, até de repulsa. Essa dualidade, que desafia a imagem da “mãe perfeita”, pode gerar intensa culpa e insegurança.
“Às vezes, a conexão emocional com o bebê pode demorar. Isso assusta muito as mulheres, porque elas não aceitam essa possibilidade: afinal, a sociedade exige uma mãe potente e perfeita. Mas é perfeitamente normal e aceitável”, destaca a psicóloga.
4. Crise de identidade e luto pelo “eu” de antes
Imagine que, de repente, você se vê dividida entre ser mãe, esposa, filha e, ainda, aquela pessoa com sonhos e interesses próprios. Essa sobreposição de papéis pode gerar um conflito interno: de um lado, vem a responsabilidade intensa com o bebê e, do outro, a vontade de resgatar suas próprias necessidades e desejos.
É como se você estivesse tentando se adaptar a uma nova versão de si mesma, o que pode causar um misto de luto pelo que era e incerteza sobre o que vem pela frente.
5. Rede de apoio insuficiente e interferências
A falta de uma rede de apoio efetiva – seja do parceiro ou da família – pode aumentar a sensação de abandono e sobrecarga. Além disso, a invasão dos limites por familiares, mesmo que bem-intencionada, pode reforçar a sensação de que a mãe não tem o seu espaço para se reconstruir.
6. Impacto nas relações de casal
As transformações emocionais e as novas demandas do puerpério podem gerar descompassos no relacionamento. “Quando as relações já estão fragilizadas, o puerpério funciona como um catalisador, ampliando as inseguranças e a sensação de que ninguém entende o que a outra pessoa está passando”, alerta Geni.
A falta de diálogo e de uma divisão equilibrada de tarefas contribui para a deterioração do vínculo, aumentando o sofrimento da mãe.
Nesse sentido, é importante lembrar que o pai também passa por seu próprio puerpério. “Apesar de não estarem na mesma intensidade da experiência materna, os homens também passam por uma adaptação e precisam encontrar seu próprio equilíbrio para assumir a nova identidade de pai”, explica a psicóloga.
Por exemplo, alguns podem experimentar a depressão pós-parto masculina, sentindo tristeza profunda, preocupações excessivas, culpa, fadiga, insônia, dores de cabeça e até sintomas psicossomáticos.
Que estratégias podem ajudar a lidar com esses desafios?
1. Procura por apoio profissional
A terapia – seja no formato do pré-natal psicológico ou no acompanhamento pós-parto – é fundamental para que a mulher possa expressar e trabalhar seus sentimentos. O profissional de saúde mental ajuda a despatologizar reações intensas e normatizar o processo de luto pela perda da idealização.
E se a mulher não tiver acesso à terapia?
Geni recomenda ter uma figura de apego para desabafar nos momentos de angústia. Incentivar a abertura para conversas sinceras com o parceiro e pessoas de confiança permite que a mãe expresse suas emoções, esclareça mal-entendidos e receba o apoio necessário para ajustar expectativas e renegociar papéis.
“Grupos de mães e outras formas de suporte social também são essenciais para que a mulher não se sinta sozinha e tenha um espaço seguro para compartilhar suas experiências”, sugere Geni.
2. Alinhar com o parceiro o papel de “guardião”
Geni destaca que, durante o puerpério, a presença de um parceiro que assuma o papel de “guardião” é essencial.
“Ele deve estar atento para reconhecer os momentos em que a mãe precisa descansar e ter o espaço respeitado, assumindo o compromisso de estabelecer limites claros para familiares invasivos, visitas indesejadas, entre outras situações desconfortáveis. Ela não tem que investir a energia dela nisso, pois precisa se dedicar integralmente ao bebê e à sua recuperação emocional”, explica Geni.
A psicóloga destaca que essa atitude de proteção e cuidado fortalece a identidade do casal, pois demonstra uma parceria ativa na construção de um ambiente de suporte mútuo.
3. Rede de apoio para gerenciar o sono e o descanso
Reconhecer a importância do descanso e dividir as tarefas relacionadas ao cuidado do bebê ajudam a mitigar o impacto da privação de sono, contribuindo para uma melhor regulação emocional.
“Quando o parceiro, familiares ou amigos assumem tarefas práticas – como preparar refeições ou mesmo organizar a casa –, a puérpera tem a oportunidade de fazer pausas estratégicas para descansar”, reforça Geni.
4. Aceitação da transformação e do processo de luto
Compreender que o puerpério é uma fase de perda e ganho – de despedida da idealização e de acolhimento de uma nova identidade – pode ajudar a mulher a se reconectar com seu novo eu. Essa aceitação é um passo importante para reduzir sentimentos de culpa e inadequação.
“Nesse processo, a mulher precisa aprender a se reconhecer nesse novo corpo e nessa nova condição, integrando as experiências de quem era antes com o que está se tornando agora”, esclarece a psicóloga.
5. Inclusão do parceiro nas transformações
Envolver o parceiro em sessões de pré-natal psicológico e no cuidado diário contribui para que ambos se adaptem às novas dinâmicas e fortaleçam a identidade do casal, minimizando conflitos e promovendo uma rede de apoio interna mais sólida.
Como saber que o puerpério emocional está chegando ao fim?
Quando você começa a perceber que está retomando um pouco mais do seu “eu”, é um sinal importante. Geni aponta alguns sinais:
- Retorno do desejo sexual: mostra que você está redescobrindo sua intimidade e identidade além do papel de mãe. Aos poucos, você sente que sua rotina se organiza melhor e consegue descansar, mesmo que aos poucos.
- As emoções começam a se estabilizar: se você nota que as oscilações intensas dão lugar a momentos de calma, onde irritação e sensibilidade extrema vão diminuindo, é sinal de que seu corpo e mente estão se ajustando a essa nova fase.
- Aceitação das mudanças no seu corpo: quando a mulher percebe que essas transformações fazem parte do seu processo de se tornar mãe, você está realmente encontrando um novo equilíbrio.
Precisa de auxílio para atravessar seu período de puerpério? Não hesite em procurar ajuda médica ou psicológica para investigar uma possível depressão pós-parto.
- Agora que você entende o que é o puerpério, compartilhe este artigo com outras mulheres que estejam passando por essa fase!
Confira também o vídeo da pediatra Dra. Fernanda Misumi sobre o tema no canal de Regenesis!
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