Acompanhar o crescimento de uma criança é uma das experiências mais intensas e transformadoras da vida e, ao mesmo tempo, repleta de dúvidas. Afinal, quando é esperado que o bebê sustente o pescoço? E quando deve começar a andar, a falar, a interagir? O que podemos fazer para ajudá-lo?
Conversamos com a Pediatra Dra. Fernanda Misumi para entender quais são os principais marcos do desenvolvimento infantil e como os pais podem agir, na prática, para favorecer o crescimento saudável dos filhos.
O que são marcos do desenvolvimento infantil?
São parâmetros que indicam se a criança está adquirindo certas habilidades motoras, cognitivas, sociais e emocionais esperadas para cada faixa etária. Não são metas rígidas, mas referências que ajudam pediatras e pais a identificarem se o crescimento está ocorrendo de forma saudável.
“Esses marcos mostram se a evolução está acontecendo dentro do esperado. Se algo estiver fora do padrão, e identificamos o que chamamos de red flags, partimos para uma investigação. Pode ser um problema neurológico, ou falta de estímulo adequado”, explica a Dra. Fernanda.
Para ajudar mães, pais e cuidadores a acompanharem essa jornada com mais tranquilidade, reunimos em um infográfico os principais marcos do Desenvolvimento Neuropsicomotor (DNPM) – uma referência amplamente utilizada por pediatras para observar, mês a mês, as conquistas motoras, cognitivas e sociais esperadas nos primeiros anos de vida.

O papel dos pais: presença, estímulo e observação
O desenvolvimento infantil acontece de forma mais rica e fluida quando a criança tem liberdade para explorar o mundo ao seu redor, mas essa liberdade precisa estar acompanhada de presença atenta e estímulos adequados.
A Dra. Fernanda reforça que não se trata de antecipar etapas ou oferecer brinquedos mirabolantes, mas de criar um ambiente seguro, afetuoso e responsivo, onde a criança possa se movimentar, brincar e descobrir por conta própria.
Algo simples, como permitir que o bebê fique deitado no chão para rolar e fortalecer a musculatura, já faz toda a diferença. “Se o bebê fica muito no colo e a gente não dá a possibilidade de brincar livre, que é ficar deitadinho no chão, rolar, lateralizar, ele não vai ter o interesse em fazer aquilo e não vai ter todos os estímulos que precisa”, explica a especialista.
Outro exemplo importante é a fase oral, por volta dos quatro meses, quando os bebês levam tudo à boca. Essa etapa, longe de ser um hábito a ser reprimido, é essencial para o desenvolvimento sensorial. “Eles ficam encantados porque não sabem que é a mão deles. E isso é superimportante para futuramente, com seis meses, aceitar texturas diferentes na boca.”
A Dra. Fernanda também alerta para os efeitos da superproteção: “Se você não deixa a criança se arriscar, ela não aprende a cair, a levantar. E isso afeta até o desenvolvimento social, porque ela tem medo de errar, de tentar”. Por isso, é importante observar a criança com atenção, mas também permitir que ela erre, se frustre e descubra seus limites com segurança.
O tédio também ensina, enquanto as telas atrapalham
Em um mundo hiperestimulado, é comum que os adultos sintam a necessidade de entreter constantemente seus filhos. Mas, para a Dra. Fernanda Misumi, o tédio tem um papel fundamental no desenvolvimento infantil: ele desperta a curiosidade, a criatividade e a autonomia da criança.
“Às vezes a criança tá tentando se arrastar pra pegar o brinquedo e os pais vão lá e entregam na mão. Ela tá construindo aquilo, isso acaba atrapalhando”, observa.
É nesse contexto que o uso de telas se torna um desafio importante, pois elas interferem diretamente no desenvolvimento da linguagem, da atenção e da interação social.
“A criança só aprende a falar imitando a boca. Se ela vê um monte de desenho com estímulo rápido e ninguém falando com ela, ela não aprende”, alerta a pediatra. Além disso, o ritmo acelerado dos vídeos dificulta o interesse da criança por atividades reais, mais lentas, como ouvir uma música simples ou acompanhar uma leitura.
A recomendação médica é clara: nada de telas até os dois anos de idade. E, depois disso, o uso deve ser gradual, sempre com supervisão e equilíbrio.
Apoio ao desenvolvimento emocional: vínculo, segurança e presença
O desenvolvimento emocional da criança começa muito antes das primeiras palavras e depende, principalmente, da qualidade do vínculo com seus cuidadores desde os primeiros meses de vida.
“A segurança emocional é o que vai permitir que ela se desenvolva com confiança e se sinta protegida para explorar o mundo e construir sua autonomia”, explica a pediatra. Por isso, dar colo, olhar nos olhos, responder aos choros e estar presente são formas potentes de cuidado, e não um “mimar demais”, como muitos ainda acreditam.
O bebê responde ao ambiente, e quando o entorno está emocionalmente fragilizado, ele pode não desenvolver respostas esperadas.
Um exemplo sensível é o sorriso social, uma das primeiras formas de comunicação do bebê. “É a primeira imitação. Todo mundo que olha um bebê, sorri. E ele sorri de volta. Mas se esse feedback não acontece, será que ele está com um cuidador depressivo, que não sorri quando olha pra ele?”, questiona a pediatra.
Ela cita ainda o exemplo do bebê que não consegue desgrudar da mãe ou de seu cuidador principal, mesmo sem ter sido “acostumado no colo”. “A mãe pode achar que está criando independência, mas, na verdade, pode estar deixando de oferecer o suporte emocional necessário. O resultado é o oposto: a criança fica mais ansiosa, mais dependente.”
Cuidar dos filhos também é cuidar de si
No meio de tantas exigências, expectativas e palpites, muitos pais, mas especialmente as mães, se sentem pressionados a dar conta de tudo. A verdade é que ninguém consegue sustentar o cuidado com uma criança se estiver emocionalmente exausto. E esse esgotamento, segundo a Dra. Fernanda, não só afeta os adultos, como também repercute diretamente no comportamento e no bem-estar do bebê.
“Hoje em dia a gente fala muito do burnout materno. A mãe chega dizendo que o bebê chora o tempo todo, mas quando a gente investiga, percebe que é ela quem está chorando por dentro e o bebê só está reagindo”, explica a médica.
Esse esgotamento pode ser agravado por uma rede de apoio frágil, sobrecarga doméstica, idealizações irreais sobre a maternidade e falta de acompanhamento emocional. “No puerpério, a mulher passa por uma mudança hormonal brusca, privação de sono, pressão para ser perfeita… E tudo isso sem espaço para cuidar de si”, completa.
Por isso, buscar ajuda médica, emocional ou até prática não é sinal de fraqueza, mas de responsabilidade.
O papel do pediatra: olhar clínico, escuta e orientação personalizada
Embora os marcos do desenvolvimento infantil ajudem a guiar os pais sobre o que esperar em cada fase, é importante lembrar que nenhuma criança é igual à outra.
Por isso, o acompanhamento pediátrico é essencial para interpretar esses sinais dentro do contexto individual de cada bebê, com escuta, empatia e olhar clínico qualificado.
“Toda vez que a gente faz um atendimento pediátrico, a gente tem que avaliar o crescimento, a alimentação, as vacinas, o desenvolvimento e o ambiente familiar. Faz parte da nossa obrigação”, explica a Dra. Fernanda.
Nesse sentido, o infográfico baseado no DNPM, apresentado anteriormente, é uma ferramenta valiosa para acompanhar essa trajetória, mas não deve ser levado ao pé da letra.
“Uma criança prematura, por exemplo, vai atingir certos marcos mais tarde, e isso é esperado. Existem sutilezas, variações individuais, questões de estímulo e até de saúde que precisam ser consideradas antes de qualquer diagnóstico”, orienta a médica.
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