“Como engravidar rápido” é uma das expressões mais buscadas por tentantes no Google. Mas nem sempre esse desejo acontece no tempo desejado, e o que era um sonho pode se transformar em angústia, frustração e ansiedade.
Nessa jornada, é comum as mulheres mergulharem em exames, protocolos e tratamentos em busca de acelerar um processo que, na prática, foge do nosso controle. E enquanto tudo gira em torno do corpo, a saúde emocional pode acabar ficando em segundo plano, impactando o processo como um todo.
Para compreender melhor os desafios psicológicos dessa jornada e os caminhos possíveis de cuidado, conversamos com a Psicóloga Valéria Gonçalves Pantuffi, especialista em saúde pré e perinatal.
Saiba entender e acolher os sentimentos dessa jornada
Entre as tentantes — mulheres que estão tentando engravidar — o sentimento mais comum e intenso é a ansiedade. Essa angústia constante, que muitas vezes é vivida em silêncio, gera uma sensação de impotência e, como consequência direta, a frustração”, explica Valéria.
Com o tempo, esse sofrimento emocional pode evoluir para passividade, tristeza profunda e até esgotamento. Em muitos casos, essa dor se repete e se intensifica a cada ciclo sem sucesso, em um percurso solitário e silencioso — reflexo de uma realidade ainda pouco compreendida e acolhida pela sociedade.
Trata-se de um “luto não reconhecido”, conceito desenvolvido pelo Psicólogo Kenneth Doka para descrever perdas que não recebem validação social suficiente para gerar apoio emocional ou rituais simbólicos de despedida.
No caso da infertilidade, não há um corpo para velar ou uma perda visível, mas existe uma ausência concreta: o filho que não veio, o projeto que não se realizou. Por isso, muitas mulheres sentem que não têm o “direito” de sofrer e acabam se calando ainda mais.
Foi esse turbilhão de sentimentos que levou a atriz Mariana Rios a compartilhar sua vivência nas redes sociais. Após dois anos de tentativas frustradas e vários ciclos de fertilização in vitro, ela recebeu a notícia de que não havia embriões viáveis. “Tudo que eu fiz até agora, todas as coletas, todas as injeções e todo o processo… foi jogado fora. Volto à estaca zero.”
O que Mariana expressou não foi apenas a frustração com o resultado, mas o peso emocional acumulado: “Ser uma tentante é, às vezes, bem solitário. Dói. Dá medo. Dá vontade de parar. Dá vontade de sumir. Mas, ao mesmo tempo, tem alguma coisa que te faz continuar”, desabafou em seu perfil no Instagram.
A maior pressão vem de dentro
A mulher que está tentando engravidar também pode se sentir pressionada, sobretudo quando ela começa a se comparar, quase sempre de forma dolorosa, com outras gestações ao seu redor.
“As cobranças são mais internas do que de fato externas, promovendo um ciclo vicioso de estresse e ansiedade. É a pressão e comparação pessoal que fazem eco no meio em que essa mulher está inserida. Não o contrário”, esclarece a psicóloga.
De qualquer maneira, comentários aparentemente inofensivos, conselhos não solicitados ou relatos de outras gestações podem intensificar o sofrimento. “Normalmente, sugiro não abrir o assunto sobre as tentativas para os familiares e colegas, para não reforçar a ansiedade. É muito comum haver comentários e exemplos que mais atrapalham do que contribuem”, orienta a psicóloga.
O impacto na vida do casal
Esse contexto, somado à sobrecarga emocional das tentativas, pode impactar profundamente a vida conjugal, tornando comum uma alteração na dinâmica do casal, nem sempre para melhor.
“O que deveria ser um momento de prazer, torna-se obrigação e cumprimento de protocolo. O desejo fica reduzido ao sucesso ou insucesso da tentativa, com o agravante de haver, de forma velada ou inconsciente, uma acusação a um dos parceiros”, afirma Valéria.
Muitas vezes, a intimidade cede espaço à cobrança silenciosa, e o vínculo vai sendo tensionado pelos resultados que não vêm.
Ansiedade para engravidar realmente atrapalha?
A ciência já comprovou: o estado emocional pode interferir diretamente no funcionamento do organismo. E isso inclui o sistema reprodutivo, tanto do homem quanto da mulher. Embora a ansiedade não seja a única responsável por dificuldades de concepção, ela pode, sim, interferir de diversas formas.
“O sistema biológico se desorganiza. Mente e corpo são uma unidade, um interfere intimamente no outro”, alerta Valéria.
Por exemplo: uma pesquisa publicada na revista Human Reproduction encontrou uma associação entre altos níveis de ansiedade e menor concentração e motilidade dos espermatozoides em homens.
Outro estudo, publicado na Human Reproduction Update, revelou que o estresse psicológico está associado a taxas mais baixas de gravidez em casais submetidos a tratamentos de fertilidade.
Mas há formas de aliviar essa pressão. Procurar apoio emocional, cuidar do corpo e desacelerar podem ser passos fundamentais.
“Viver os prazeres, valorizar suas qualidades, buscar uma respiração mais consciente e menos automática, prestar mais atenção no entorno e nos detalhes: tudo isso ajuda a restabelecer o equilíbrio do sistema nervoso autônomo, que fica ativado na ansiedade e nos causa prejuízo”, recomenda Valéria.
Quando buscar ajuda especializada?
A psicoterapia especializada pode ser essencial, principalmente quando a gravidez não ocorre ou não se mantém por razões não explicadas clinicamente.
“Traumas gestacionais vividos pela própria mulher quando estava no útero, abortos anteriores, violência familiar… tudo isso pode ficar impresso na memória e interferir no processo”, explica Valéria. Segundo ela, a psicoterapia ajuda a olhar para a relação conjugal, para a história com a própria mãe e com a ideia de maternidade que essa mulher construiu.
Os grupos de apoio também têm se mostrado como caminhos potentes para as tentantes. “É um importante espaço para as falas e também para a escuta. Falar sobre as angústias e compartilhar objetivos em comum trazem pertencimento e acolhimento, formando rede de sustentação para essa espera”, afirma Valéria.
“Mas nem sempre o grupo é suficiente, especialmente quando há vivências traumáticas. Nestes casos, o atendimento individualizado é indispensável”, reforça a especialista.
Portanto, é sempre importante lembrar: você não precisa dar conta de tudo sozinha. Sentir medo, cansaço ou tristeza não diminui a sua força, apenas mostra que esse caminho também é feito de emoções. Cuidar da sua saúde mental é tão necessário quanto cuidar do corpo. E tudo bem desacelerar, pedir ajuda, respirar fundo e recomeçar quantas vezes for preciso.
Se esse conteúdo tocou você, compartilhe com uma mulher que esteja tentando engravidar e talvez precise desse acolhimento hoje. Uma palavra pode fazer toda a diferença.
Referências
Doka, K. J., Disenfranchised Grief: Recognizing Hidden Sorrow, 1989
Li, Y., Lin, H., Li, Y., Cao, J., & Ao, L. (2011). Influence of psychological stress on semen quality in semen donors. Fertility and Sterility, 95(7), 2520-2523.
Boivin, J., Griffiths, E., Venetis, C. A., & Wischmann, T. (2011). Emotional distress in infertile women and failure of assisted reproductive technologies: meta-analysis of prospective psychosocial studies. Human Reproduction Update, 17(6), 768-782.
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