Para muitas mulheres, a maternidade chega acompanhada de um sentimento tão intenso quanto o amor: a culpa. Quase como uma sombra, ela parece estar presente em cada decisão ou momento de ausência. Mas será que é possível lidar com a culpa materna de forma saudável? Para nos ajudar a entender as raízes desse sentimento e o que podemos aprender com ele, conversamos com a psicóloga Valéria Pantuffi.
Por que as mães sentem tanta culpa?
Na bagagem emocional que chega com a maternidade, a culpa costuma ocupar um espaço surpreendentemente grande. A sabedoria popular traduz essa percepção em um ditado preciso: “Quando nasce uma mãe, nasce uma culpa”.
Longe de ser um exagero, essa frase aponta para um fenômeno complexo, que se origina em uma forte pressão social. “A culpa é um sentimento quase inevitável na maternidade porque existe uma correlação cultural que atribui a responsabilidade pela educação dos filhos inteiramente à mãe”, avalia Valéria.
No puerpério, a biologia também exerce influência: a queda abrupta de hormônios como progesterona e estrogênio pode desregular o humor, deixando a mulher emocionalmente vulnerável.
Então, vem o choque de realidade: o bebê idealizado dá lugar a um ser real, que chora, exige e não tem manual de instruções. É neste momento que a culpa se manifesta de formas concretas e dolorosas:
- a culpa por não conseguir amamentar como o “esperado”;
- a culpa por se sentir exausta e desejar cinco minutos de silêncio;
- a culpa por não sentir aquele “amor avassalador” instantâneo, mas sim medo e estranhamento;
- e até mesmo a culpa por sentir alívio quando o bebê finalmente dorme.
Além da própria cobrança e das pressões familiares, a mãe ainda lida com um bombardeio de opiniões conflitantes de especialistas e influenciadores nas redes sociais. Ao exibir um padrão de perfeição irrealista, elas acabam alimentando uma constante sensação de inadequação.
Com o retorno ao mercado de trabalho, a culpa ganha novos contornos. O dilema entre a dedicação à carreira e a presença na vida dos filhos se torna uma fonte constante de angústia. “Para lidar com a sensação de ausência, muitas mães acionam um mecanismo de compensação. Se antes eram presentes e guloseimas na volta para casa, hoje essa dinâmica se atualizou: a tecnologia e as telas entram em cena”, alerta a psicóloga.
O paradoxo é que, ao tentar evitar a frustração do filho, a mãe acaba acentuando a dificuldade de ambos em lidar com limites e negativas. Nessa engrenagem, ela assume todas as responsabilidades e se desdobra para atender a todas as necessidades, acreditando que, assim, estará livre de cobranças.
Por fim, a origem desse sentimento também mergulha em águas mais profundas: a nossa própria história. Valéria ressalta que a maternidade funciona como um gatilho para o passado.
“No momento em que nos tornamos mães, os registros e as memórias de como fomos cuidadas por nossos pais vêm à tona, de forma consciente ou não. Isso reativa nossas inseguranças”, explica.
Culpa funcional vs. Culpa tóxica
Nem todo sentimento de culpa é destrutivo. Em certas situações, ele pode atuar como uma bússola moral, nos guiando para uma maternidade mais consciente e conectada.
“Na dose certa, a culpa é funcional: serve como um alerta que nos abre a oportunidade para a reflexão e a reparação, fortalecendo a saúde emocional da relação entre mãe e filho. O problema é quando a culpa se torna tóxica, pois ela traz uma distorção da realidade. A mãe carrega o peso da responsabilidade por tudo ou quase tudo do que acontece no entorno do filho, por vezes se anulando, como um castigo”, explica Valéria.
Valéria alerta que, nesse estado, a mãe ignora que existem outras figuras importantes e corresponsáveis na vida da criança, como o pai e os avós, e o impacto dessa dinâmica reverbera por toda a família. Ao carregar o mundo nos ombros, a mãe, sem perceber, impede o crescimento de quem está ao seu redor.
“Quando a mãe carrega todo o peso sozinha, ela tira do filho a oportunidade de desenvolver autonomia e o senso de corresponsabilidade pelos próprios atos. Além disso, o conceito de parceria no casal se perde, pois não se constrói uma família com um membro só”, alerta a psicóloga.
Para ela, é fundamental reconhecer os sinais do exagero e “reprogramar a rota” antes que os vínculos familiares fiquem comprometidos.
Estratégias para lidar com a culpa materna
O caminho, segundo a psicóloga Valéria Pantuffi, envolve estratégias conscientes de mudança de perspectiva e de atitude.
1. Redefina sua responsabilidade
A culpa tóxica nasce da crença de que temos controle total sobre os sentimentos e o destino das crianças, o que é uma ilusão. Por isso, o passo fundamental é entender que você não é a única responsável pela felicidade ou infelicidade do seu filho.
2. Abrace a imperfeição e priorize o autocuidado
A busca por uma maternidade perfeita é uma receita para a frustração. Aceitar que haverá erros, dias difíceis e sentimentos contraditórios é essencial para uma jornada mais leve.
“Lembre-se sempre: você só pode ajudar seu filho a ser melhor se souber, primeiro, fazer isso por você mesma. Permita-se errar e sentir-se frustrada, pois isso faz parte da vida e do amadurecimento, tanto seu quanto da criança”, reforça a psicóloga.
3. Escolha a ação e busque apoio
A culpa, quando tóxica, pode te deixar presa em um ciclo de pensamentos negativos. É preciso fazer uma escolha consciente para sair desse lugar e focar naquilo que realmente importa: a conexão e a alegria de maternar. E, principalmente, reconhecer quando não é possível fazer isso sozinha.
Valéria finaliza com um lembrete poderoso:
“O prazer de estar com seu filho expande e liberta, enquanto a culpa paralisa e aprisiona. Se o peso da culpa estiver grande demais, busque ajuda. Pedir suporte, seja de parceiros, amigos ou de um profissional, não é um sinal de fraqueza, mas sim um ato de coragem para assumir seus próprios limites.”
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A jornada para uma maternidade mais leve passa pelo conhecimento e pelo acolhimento. Já que o puerpério é um dos momentos mais desafiadores e um terreno fértil para a culpa, que tal entender melhor essa fase? Convidamos você a ler nosso artigo especial sobre o tema:
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